sexta-feira, 4 de maio de 2012

O prédio em chamas

 
O prédio ardia em chamas. As pessoas olhavam, assustadas, ninguém sabia ao certo o que tinha acontecido. Não houve choque, explosão, nada. Há um minuto o prédio estava intacto, e há dois minutos o prédio estava em chamas.
João Carlos há muito deixara o seu cachorro quente cair no chão, embora a sua mão ainda segurasse o vazio. Seria possível?! No seu primeiro dia trabalhando num escritório do Edifício Roriz..."Foda-se o emprego, merda, eu escapei, estou vivo, mas e as pessoas?"
Pessoas histéricas saíam correndo de dentro do prédio como formigas de um formigueiro em chamas (tochas acesas gritantes). Era a visão do inferno catequético bem ali, plantado na esquina da Rua B com a Rua D.
Sirenes apocalípticas anunciavam a chegada dos bombeiros e da polícia. Os bombeiros cobriam as pessoas em chamas com mantas, enquanto a multidão se avolumava em torno do caos. OS gritos não cessavam, e uma saraivada de gente despencava das vidraças do prédio, vindo espatifar-se no asfalto. Uma dessas saraivas humanas veio cair aos pés de João Carlos, sobre o cachorro quente. Ele recuou, em pânico. O corpo crepitava e sua pele borbulhava e enrugava-se. O cheiro de carne tostada era repugnante. Mas o rosto...o rosto estava incrivelmente intacto, embora puído.

João Calos desmaiou. Não porque um prédio inteiro tinha entrado em combustão instantânea em questão de segundos, mas por causa daquele rosto no chão, o rosto puído e contorcido que lhe fitou lacrimejante, e cujo espanto estampado antes do último suspiro espelhou-se no homem em pé, antes de desmaiar.. Espelhou-se não somente por semelhança de expressão, mas porque eram cornucópias um do outro.

O soldado Ulysses Costa Mendes teria uma boa história para contar, e uma grande pulga atrás da orelha, caso o corpo colado ao do rapaz desmaiado não estivesse já completamente em chamas, devido a um outro corpo que viera tombar próximo a ele. Para o bem da sua própria sanidade, o soldado Costa Mendes só encontrou um João Carlos Almeida Júnior.
Quanto a este último, teria a sanidade resguardada por médicos gabaritados que o convenceriam de que "a sua visão de si mesmo ardendo não passou de um delírio, uma projeção decorrente da proximidade da morte."

Quanto a um prédio de dez andares que entra em combustão instantânea, os mecanismos geradores de discursos seriam hábeis em convencer a população de qualquer coisa. Afinal, eles vinham há anos convencendo essa mesma população de que, por direito divino, um punhado de gente poderia escravizá-la, condenando-a à mais extrema insalubridade. Não, não seria um caso desses que os deixaria seriamente preocupados. Nada de que um informe extraordinário do plantão jornalístico não desse conta. As vinhetas todos já conhecem. E poucos são os que, ao toque dessas trombetas alarmantes, não correm loucos para a frente da TV mais próxima. Ávidos de morte.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Tim Powers

Acabo de Ler a excepcional obra de Tim Powers, "Os Portais de Anúbis", sobre a qual falarei mais nos próximos dias. O livro pertence a ótima série "Rama" da editora 34. Abaixo um texto sobre o autor extraído do site "saída de emergência".

Timothy Thomas Powers (nascido a 29 de Fevereiro de 1952) é um escritor americano de ficção científica e literatura fantástica.

A maioria dos romances de Powers é composta por "histórias secretas": ele utiliza acontecimentos reais e documentados, que incluem pessoas famosas, mas mostra-os de uma outra perspectiva, segundo a qual factores ocultos ou sobrenaturais influenciam seriamente as motivações e as acções das personagens.

Regra geral, Powers segue unicamente factos históricos comprovados. Lê extensivamente acerca de determinada matéria, e o enredo vai-se desenvolvendo à medida que Powers encontra inconstâncias, falhas e informações curiosas; referindo-se à sua obra Declare, pela qual veio a receber um prémio, Powers afirmou: " Estabeleci como regra incontornável que jamais iria alterar ou ignorar quaisquer factos históricos, nem alteraria datas - e depois tentei perceber qual seria o facto momentâneo, mas não registado, que os poderia explicar a todos."

Powers nasceu em Buffalo, Nova Iorque, e cresceu na Califórnia, para onde a sua família católica se mudou, em 1959.

Estudou Literatura Inglesa na Cal State Fullerton, onde conheceu James Blaylock e K. W. Jeter, os quais se mantiveram bons amigos e colaboradores ocasionais; o trio referiu-se, meio a brincar, a si próprio como "steampunks", em contraste ao predominante género "cyberpunk" dos anos 80. Powers e Blaylock inventaram o poeta William Ashbless enquanto estavam na Cal State Fullerton.

Um outro amigo que Powers conheceu durante este período foi o notório escritor de ficção científica Philip K. Dick; a personagem de nome "David", no romance VALIS, escrito por Dick, foi baseada em Powers e Do Androids Dream of Electric Sheep? (Blade Runner) foi dedicado a ele.

O primeiro grande romance de Powers foi The Drawing of the Dark (1979), mas o romance que o levou ao reconhecimento global foi The Anubis Gates, que ganhou o Philip K. Dick Award e desde então foi publicado em várias outras línguas.

Powers também dá aulas em regime part-time como Escritor Convidado na Orange County High School of the Arts, onde o seu amigo, Blaylock, é Director do Departamento de Escrita Criativa. Powers e a sua esposa, Serena, vivem presentemente em Muscoy, Califórnia.

Também deu aulas, em regime part-time, na Universidade de Redlands.

Prémios:
Philip K Dick Award Best Novel winner (1983) : The Anubis Gates
Philip K Dick Award Best Novel winner (1985) : Dinner at Deviant's Palace
Nebula Best Novel nominee (1986) : Dinner at Deviant's Palace
World Fantasy Best Novella nominee (1987) : Night Moves
World Fantasy Best Novel nominee (1988) : On Stranger Tides
Mythopoeic Fantasy Award for Adult Literature Best Novel nominee (1990) : The Stress of Her Regard
World Fantasy Best Novel nominee (1990) : The Stress of Her Regard
Mythopoeic Fantasy Award for Adult Literature Best Novel nominee (1993) : Last Call
World Fantasy Best Novel winner (1993) : Last Call
World Fantasy Best Novella nominee (1996) : Where They Are Hid
World Fantasy Best Novel nominee (1996) : Expiration Date
Nebula Best Novel nominee (1997) : Expiration Date
Bram Stoker Best Novel nominee (1998) : Earthquake Weather
World Fantasy Best Novel winner (2001) : Declare
Nebula Best Novel nominee (2002) : Declare
Mythopoeic Fantasy Award for Adult Literature Best Novel nominee (2002) : Declare

sábado, 31 de dezembro de 2011

Sefiróticas


Antigamente eu lia nos livros de ocultismo do meu tio Jaime sobre o esoterismo judaico. Cabala, era o nome. Nome bonito, atraente, gostoso de falar, principalmente se falado corretamente, algo como “kabalárrr”. As dezenas de Árvores da Vida ilustradas num dos livros eram fascinantes. Eu não entendia patavinas do que aquilo tudo queria simbolizar, mas as Árvores da Vida, com suas sefiroths esféricas de múltiplas cores recheadas com símbolos que eu preferia continuar sem saber o que queriam dizer, não por medo, que eu nunca tive medo do sobrenatural, mas para que o seu mistério permanecesse intacto. Engano meu. Meu tio me explicou algumas coisas sobre aquilo, e o mistério só aumentou, ficou do tamanho do próprio universo, e aquilo tudo ficou ainda mais fascinante. As coisas do sobrenatural são assim. Assim é a metafísica. As palavras a ela dedicadas só acrescentam brumas ao assunto tratado, de forma que o orador metafísico como que traga dúvidas pedregosas e sopra vapores luxuriantes. Não tenho mais nenhum daqueles livros, o que é uma pena, nem tenho fotografias do meu tio. Não sei se ele aprovaria o que estou fazendo agora. Ele, um ocultista, para quem o conceito de Luz Astral de Eliphas Levi era dogma indevassável. Tio Jaime não era muito amigo dos chips e circuitos. Mas aqui estou eu, prestes a ser a cobaia número um de minha própria invenção. Descobri brechas no tempo, tio Jaime, bocarras enormes abertas no espaço durante curtos períodos. Eu os mapeei, e engendrei um jeito de me esgueirar por elas, e retornar em segurança. Estou no quintal da minha casa na praia do Flamengo, queria estar com você aqui Tio Jaime, você daria um jeito de mesclar minhas teorias com as suas, desracionalizá-las, num processo inverso ao aplicado pelo cientista, embora a dúvida seja elemento de intercessão. Está tudo pronto. Estou com um grupo de amigos, e eles vêm vindo em minha direção, estamos de partida. Não sei por que apliquei tanto tempo e dinheiro nisso, Tio Jaime, talvez tenha sido tocado por Prometeu/Lúcifer, doadores da Luz, ou tua Sofia Gnóstica, aquela que salvou o gênero humano das garras do Demiurgo Cego e seus sinistros sequazes possuindo a serpente. Há um Uroboros circundando a plataforma circular. Fiz uma homenagem a você, tio Jaime. De início quis nomear a invenção com algo que se relacionasse contigo, mas achei pouco, e só hoje me dei conta de que não descobri só essa traquitana tecnológica que em nada se parece com meu tio Mago. Só hoje me dei conta de que também as brechas são descoberta minha. Elas sim, tio, são a sua cara. Misteriosas, vertiginosas..., em sua homenagem, tio Jaime, batizei essas brechas espaço-temporais de Portas Sefiróticas.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Eli, Eli, Lama Sebachtâni!*





- Você nunca tira essa boina?

Numa sala de sobrado abandonado. Com luz débil. Claude entrevistava o andróide, cada um numa extremidade da mesa carcomida.
- Sim, cinco vezes na semana, exceto aos domingos. Isto faz parte de um intrincado sistema metafísico-filosófico-esotérico-culinário.
- Culinário?
- Sim, é a trans-cozinha, uma forma de sHe alimentar somente de alimentos provenientes do Tibet.
- Você compra alimentos no Tibet?!
- Eu, não. O Grão-Comprador da OBOMMA (Ordem Boinista Oculta e Muito, Muito Antiga.)
- E ele só traz alimentos?
- Não. Traz também um sumo secreto que nos eleva a um estado místico-noético.
- Sei, e Noético vem de Noé...
- Não! Vem de Nous.
- E o que é o Nous?
- É o além do além onde não há aqui nem além.
- Vocês são tri-loucos!
- Quadri.
- Como?
- Na OBOMMA o Ser é visto como entidade quaternária.
- Quem fundou esta Ordem?
- O Neruda. E o Borges afundou. Pirandello e Gogol irão desafundá-la. Só assim o Ciclo se fechará.
- Pirandello e Gogol...
- Sim, morreram. Mas uma seita milenar fundada por um pithecantropus erectus vem protegendo os seus descendentes através dos tempos.
- A função deles é essa?
- A missão.
- Então, porque a tal seita foi fundada tão antes de Gogol e Pirandello?
- Nós não cremos no tempo.
- Explique melhor.
- Daqui não passarás.
- Como?
- Daqui não passarás. Daqui não passarás. Daqui não...ZIIIIIIIIIIIIUUUUUuuuuuuuummmmmmmmmm...

O APEM (Andróide Para Entrevistas com a Mídia) desligou-se completamente. Cabeça pendente, queixo tocando o peito.
Claude, o entrevistador, sentiu uma imensa vontade de tirar-lhe a boina cinza ajustada perfeitamente à cabeça.

Tirou.

No topo da cabeça do andróide, Claude leu, numa tela LCD (Liquid Cristal Display), o que não soube ser pilhéria, melodrama, non-sense ou mistério profundo:


PAI, POR QUE ME ABANDONASTE?
BIP BIP BIP!...A mensagem foi substituída por uma contagem regressiva em números vermelhos que começou do 10.
Claude, subitamente ciente do que se tratava, catou sua bolsa, a boina cinza, seu bloquinho, e saiu do sobrado abandonado em disparada.
A explosão se deu no exato instante em que Claude escondia-se atrás de um container de lixo, de onde fugiram centenas de ratos alucinados.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Rock/Metal e Literatura: Samael. Rite of Cthulhu.

Todas as segundas postarei musicas de Rock e Metal que possuem relação com a literatura. Sobretudo a literatura pertinente a este blog. Aproveitem!

Aqui temos um belo espécime. Bela composição do grupo suiço "Samael", inspirada nos Mitos de Cthulhu, do mestre Lovecraft. Abaixo segue uma biografia da banda, que pode ser encontrada no site "Whiplash".


Por Alexandro Antonio Blini Maceiras

Inovar sempre e não se entregar à mesmice. Quebrar regras sem medo dos conservadores. É assim, com atitudes altamente heavy metal, que o grupo suiço Samael vem traçando sua carreira desde o início dos anos 90. Os irmãos Xytras e Vorphalak começaram tocando um som pesado e agressivo, influenciado pelos primeiros ícones do black metal, Venom e o também suiço Celtic Frost. Era preciso contestar a mediocridade do mercado musical da época.Nos primeiros ensaios, em que Xytras assumiu o baixo, seu irmão a guitarra e o vocal, e Masmisein a bateria, foram compostas as faixas que estariam no primeiro trabalho. Financiado pela própria banda, o EP "Medieval Prophecy" mostrou que o Samael queria ser crú e agressivo, procurando diferenciar-se, inclusive, de bandas semelhantes.

A atitude e a garra demonstradas no EP abriram os olhos de uma pequena gravadora francesa, a Osmose Records. Sem melhores oportunidades naquele momento, o Samael assinou com o selo e pôde pensar em vôos bem mais altos. "Worship Him", o primeiro disco oficial, foi gravado em 1991, mas com pouca produção. Não tinha o nível mínimo que os músicos desejavam, porém impressionou a imprensa e o público underground. Já no próximo disco, Xytras passou a ser a mente por trás das composições. Para não se ater aos limites do black metal, o grupo incluiu um tecladista na formação. Rodolphe H. ganhou a responsabilidade de criar climas sombrios e densos. Com ele, a banda gravou "Blood Ritual", que já era mais lento e ainda mais pesado. Cada vez mais forte no underground, o Samael surpreendeu à todos em 1994, já contratado da Century Media Records, com o álbum "Ceremony Of The Opposites". Um disco que rompeu de vez as amarras com o establishment da música extrema, misturando com maestria as guitarras do black metal com arranjos melodiosos dos teclados. Faixas batizadas pela própria banda como "operetas macabras".
O disco chocou os fãs mas ainda era pouco. O que estava por vir alteraria radicalmente os conceitos sobre o Samael nos dois próximos anos. Da brutalidade total à inovação sonora, Xytras - que passou a se chamar apenas Xy - fez de "Passage" o início de uma nova era, a entrada para a arriscada fase do radicalismo total. O público, a partir de então, ou amaria ou odiaria o Samael.
Longe de boa parte dos estigmas das raízes extremas, o Samael teve em "Passage" um dos trabalhos mais criativos da década ao unir a brutalidade do black metal com sintetizadores.

Alguns fãs abandonaram a banda, mas muitos outros surgiram atraídos pela novidade. Finalmente o Samael expandiu suas fronteiras, desembarcando nos Estados Unidos para uma tour. Com o mini-CD "Exodus" o experimentalismo tomou conta do Samael. Peso, remixes e vocais sombrios se condensam criando uma verdadeira sinfonia do inusitado. Após este trabalho, Xy dedicou-se à parte técnica, tendo produzido dois discos do Rotting Christ. As "férias" só terminaram em 1999, quando Xy entrou com toda a força em uma nova mudança. Agora com mais um guitarrista, Kaos, o Samael centrou sua criatividade em passagens atmosféricas, mais sons eletrônicos e peso. Tudo isso gerou "Eternal", um ambicioso passo na história do grupo, que ousou derrubar outra barreira ao trabalhar com um produtor que jamais teve qualquer tipo de ligação com a música pesada. David Richards somou à indecifrável mente de Xy sua experiência com grupos como Queen e Rolling Stones. O local escolhido para as gravações foi o Mountain Studios, o mesmo em que Frank Zappa e Deep Purple já haviam trabalhado.






Fonte: Samael - Biografias http://whiplash.net/materias/biografias/038865-samael.html#ixzz1hf6x9A5l

domingo, 25 de dezembro de 2011

UM ENIGMA ZEN PARA O BRAÇO ARMADO DA DEMOCRACIA






A delegacia estava árida. Apenas ouvia-se o matraquear dos dedos enormes e pesados do delegado Silveira contra o teclado do computador.


Passos na sala de entrada.


-Pois não, senhora.


A recém-chegada, estatura média, cabelos lisos e bastos, olhos castanhos, pele branca, óculos ovalados, ficou em silêncio, parada, em frente ao balcão.


-Pois não, senhora.


Novamente silêncio. A essa altura, o delegado Silveira já observava por trás do colega plantonista. Eram duas da madrugada, e Silveira viera pegar um expresso na máquina recém-comprada.


-Algum problema, Mendonça?


-A moça aqui. Chegou na surdina, e ficou aí, parada. Será que é droga?


Silveira avançou, foi para perto da mulher, conduziu-a até uma cadeira, sentou-a, espantando-se com a sua docilidade.


-Senhora, tá conseguindo me entender?


A mulher dirigiu o olhar diretamente para Silveira. Demorou-se assim por um longo minuto, quando finalmente decidiu falar:


-Eu quero fazer uma denúncia.


-Sim. Então me acompanhe, por favor.


A mulher olhou para a parede oposta, e seu olhar parecia vara o concreto.


-Eu quero fazer uma denúncia.


Silveira olhou para o colega, já visivelmente impaciente.


-Como é o seu nome, mora aqui no bairro mesmo?


A mulher levantou-se, animada pela fúria de mil Jeovás dos Exércitos, e vociferou, olhando alternadamente para um e para outro dos homens fardados à sua frente.


-Eu estou aqui, querendo lhes falar uma coisa séria, e vocês me vêem com tolas distrações!


Silveira, passado o choque, levantou-se, crendo que se tratava de uma louca, uma viciada, ou das duas coisas.


-Ei, calma, calma moça, olha a bagunça aqui na delegacia, e cuidado com o desacato!


Os mil Jeovás Sabaoths esvaíram-se da possessa, e ela voltou ao seu ponto zero.


Se dirigiu a Mendonça, tirou cuidadosamente os óculos e ofereceu-o na palma aberta da mão direita. Mendonça, muito interessado em ver até onde iria aquilo, resolveu participar da peça, tomando para si os óculos, num cerimonialismo galhofeiro. A mulher recuou, fitou os dois, empertigou-se, e disse em tom ríspido e decidido:


-Eu vim fazer uma denúncia.


Os dois plantonistas ficaram ali, atônitos, vendo a estranha figura dar meia-volta e caminhar para a saída até desaparecer no silêncio da madrugada.











quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Declaração de compromisso com a defesa da Literatura Fantástica, de Horror e Ficção Científica.





A literatura fantástica, embora seja fantástica no sentido de trazer em sua temática "mundos alternativos" e "realidades invisíveis", não merece o tratamento dado por alguns idólatras da "literatura séria"(ou com complexo de seriedade?). A "sensação do outro mundo" que anima as obras e os autores de ficção científica, terror, absurdo, realismo mágico/fantástico e semelhantes, trazem sempre uma inquietação com o status-quo, seja especulando mundos utópicos, ou antevendo distopias cataclísmicas. No quesito valoração, creio que os supracitados gêneros devam passar pela nossa apreciação, sendo julgados pelos mesmos critérios que adotamos ao apreciarmos obras de Dostoievskis, Hemmingways, Goethes ou Dantes.

Nos últimos anos eu tenho lido muitas obras de ficção científica, horror e realismo fant´satico/mágico, e tenho ficado pasmo ao constatar em algumas dessas obras muito mais humanismo, reflexão filosófica e crítica social do que em muitas obras ditas "realistas", ou "humanistas", além de muito mais acuro estilístico e poético do que muitas pérolas canônicas.
Certamente nem todo autor de ficção científica, por exemplo, é um Asimov, ou um Arthur Clarke, mas também é certo que nem todo autor realista possui a envergadura de um Dostoievski, ou um Graciliano Ramos.

Tenho trabalhado no sentido de pesquisar os gêneros citados nas primeiras linhas, e ler uma boa quantidade de autores, no intuito de expô-los, num serviço que é mais de curador que de crítico. Não ambiciono criar receituários ou guias à la Harold Bloom, nem me tornar um "criticastro", mas apenas contribuir com as leituras dos meus amigos, conhecidos, com quem converso sobre livros além de ser uma prova viva de que os leitores e estudantes não precisam se sentir acuados pela parte careta da inteligenzia acadêmica, e que ler horror, ficção científica e semelhantes não é perda de tempo, desperdício de neurônios, entretenimento puro e simples ou atestado de burrice.