domingo, 25 de dezembro de 2011

UM ENIGMA ZEN PARA O BRAÇO ARMADO DA DEMOCRACIA






A delegacia estava árida. Apenas ouvia-se o matraquear dos dedos enormes e pesados do delegado Silveira contra o teclado do computador.


Passos na sala de entrada.


-Pois não, senhora.


A recém-chegada, estatura média, cabelos lisos e bastos, olhos castanhos, pele branca, óculos ovalados, ficou em silêncio, parada, em frente ao balcão.


-Pois não, senhora.


Novamente silêncio. A essa altura, o delegado Silveira já observava por trás do colega plantonista. Eram duas da madrugada, e Silveira viera pegar um expresso na máquina recém-comprada.


-Algum problema, Mendonça?


-A moça aqui. Chegou na surdina, e ficou aí, parada. Será que é droga?


Silveira avançou, foi para perto da mulher, conduziu-a até uma cadeira, sentou-a, espantando-se com a sua docilidade.


-Senhora, tá conseguindo me entender?


A mulher dirigiu o olhar diretamente para Silveira. Demorou-se assim por um longo minuto, quando finalmente decidiu falar:


-Eu quero fazer uma denúncia.


-Sim. Então me acompanhe, por favor.


A mulher olhou para a parede oposta, e seu olhar parecia vara o concreto.


-Eu quero fazer uma denúncia.


Silveira olhou para o colega, já visivelmente impaciente.


-Como é o seu nome, mora aqui no bairro mesmo?


A mulher levantou-se, animada pela fúria de mil Jeovás dos Exércitos, e vociferou, olhando alternadamente para um e para outro dos homens fardados à sua frente.


-Eu estou aqui, querendo lhes falar uma coisa séria, e vocês me vêem com tolas distrações!


Silveira, passado o choque, levantou-se, crendo que se tratava de uma louca, uma viciada, ou das duas coisas.


-Ei, calma, calma moça, olha a bagunça aqui na delegacia, e cuidado com o desacato!


Os mil Jeovás Sabaoths esvaíram-se da possessa, e ela voltou ao seu ponto zero.


Se dirigiu a Mendonça, tirou cuidadosamente os óculos e ofereceu-o na palma aberta da mão direita. Mendonça, muito interessado em ver até onde iria aquilo, resolveu participar da peça, tomando para si os óculos, num cerimonialismo galhofeiro. A mulher recuou, fitou os dois, empertigou-se, e disse em tom ríspido e decidido:


-Eu vim fazer uma denúncia.


Os dois plantonistas ficaram ali, atônitos, vendo a estranha figura dar meia-volta e caminhar para a saída até desaparecer no silêncio da madrugada.











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